quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Características físicas de Capitu

“Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as limpas e sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos.” (pg 36)

“(...) ela era um nadinha mais alta que eu (...)” (pg 72)

“Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, (...) mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela.(...) Não pedi ao céu que fossem tão longos como os de Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa!” (pg 73)

“Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu... Você reparou nos olhos dela? São assim, de cigana oblíqua e dissimulada.”(Fala de José Dias à Bentinho, pg 57)

“— Juro! Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei de extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e fizeram. Olhos de ressaca? Vá de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluído misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve.” (pg 71)

“Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã. (pg 217)

“(...)os braços é que... Os braços merecem um período.
Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina, se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no mármore, donde vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos da noite, a ponto de me encherem de desvanecimento. (pg 188)


ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. Click Editora (especialmente para o Jornal O Globo), edição de 1997 (edição original em 1899).



Seleção feita pela estária Raquel Ferreira

Um comentário:

KASSIA disse...

Linda e fascinante