quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Características da personalidade de Capitu

“— Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e ia para a Europa.
(...)
Como vês, Capitu aos quatorze anos , tinha já idéias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos. Não sei se me explico bem. Suponde uma concepção grande executada por meios pequenos.” (pg 47)

“Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.” (pg 68)

“Era também mais curiosa. As curiosidades de Capitu dão para um capítulo. Eram de várias espécies, explicáveis e inexplicáveis, assim úteis como inúteis, umas graves, outras frívolas; gostava de saber tudo.” (pg 68)

“(...) prima Justina reteve-me alguns minutos, falando do calor e da próxima festa da Conceição, dos meus velhos oratórios, e finalmente de Capitu. Não disse mal dela; ao contrário insinuou-me que podia vir a ser uma moça muito bonita. Eu, que já a achava lindíssima, bradaria que era a mais bela criatura do mundo, se o receio não me fizesse discreto. Entretanto, como prima Justina se metesse a elogiar-lhe os modos, a gravidade, os costumes, o trabalhar para os seus, o amor que tinha a minha mãe, tudo isto me acendeu a ponto de elogiá-la também. Quando não era com palavras, era com o gesto de aprovação que dava a cada uma das asserções da outra, e certamente com a felicidade que devia iluminar-me a cara. (...) É certo que, após algum tempo, modificou os elogios a Capitu, e até lhe fez algumas críticas, disse-me que era um pouco trêfega e olhava por baixo (...)” (pg 54)

“Estava tão contente com aquela grande dissimulação de Capitu que (...) corri a referir-lhe a conversa e louvar-lhe a astúcia.” (pg 130)

“Capitu era naturalmente o anjo da Escritura. A verdade é que minha mãe não podia tê-la agora longe de si. A afeição crescente era manifestada por atos extraordinários. Capitu passou a ser a flor da casa, o sol das manhãs, o frescor das tardes, a lua das noites; lá vivia horas e horas, ouvindo, falando e cantando.” (pg 152)

“Capitu gostava de rir e divertir-se e, nos primeiros tempos, quando íamos a passeios ou espetáculos, era como um pássaro que saísse da gaiola. Arranjava-se com graça e modéstia. Embora gostasse de jóias, como as outras moças, não queria que eu lhe comprasse muitas, nem caras, e um daí afligiu-se tanto que prometi não comprar mais nenhuma; mas foi só por pouco tempo.” (pg 188)

“Não sabendo piano, aprendeu depois de casada, e depressa, e daí a pouco tocava nas casas de amizade. Na Glória era uma das nossas recreações; também cantava, mas pouco e raro, por não ter voz; um dia chegou a entender que era melhor não cantar nada e cumpriu o alvitre. De dançar gostava, e enfeitava-se com amor quando ia a um baile; (...)” (pg 188)

“Já disse que era poupada, ou fica dito agora, e não só de dinheiro mas também de coisas usadas, dessas que se guardam por tradição, por lembrança ou por saudade. (pg 189)

“O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. (...) se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.” (pg 250)



ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. Click Editora (especialmente para o Jornal O Globo), edição de 1997 (edição original em 1899).

Seleção feita pela estagiária Raquel Ferreira.

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